Super-herói

William Douglas

Recebi a seguinte mensagem na minha comunidade, no Orkut:

"Por que o William nunca cita, em suas entrevistas, que já fez parte de um grupo teatral e que montou um espetáculo infantil em 1984? O grupo se chamava Espalhafatos e a peça tinha o mesmo nome do grupo. William vivia um super-herói na peça. Quando ele entrava em cena, o músico Tchelo, que compôs todas as músicas da peça, entoava: "Super lindo, super forte, super-herói, super, super, super.. Ele pode tudo, ele tudo pode, ele corre, voa, pula e se sacode... Ele quebra tudo, ele tudo quebra, ele mexe, vira, se coça e requebra..." Bem, a profecia foi cumprida: William se tornou um super-herói da vida real, pelo menos dos aspirantes a concursos, certo? Só que não deveria apagar da memória o período que atuou como ator em grupo de teatro amador".

Bem, primeiro, uma explicação: não cito esse fato corriqueiramente porque o mesmo não tem relação imediata com os concursos e, em geral, faltam tempo e espaço nas entrevistas. Quanto a participar de teatro, até que cito quando posso, pois foi uma fase muito especial na minha vida e que me trouxe muitas vivências e experiências importantes. Foi muito legal ter participado do Espalhafatos.

Tudo começou com curso de teatro no SESC, com a preparação de uma peça, ensaios etc. Logo depois virou peça mesmo, no circuito comercial. Lembro que toda semana recebia minha parte dos ingressos (o cachê!) e comprava tudo em LPs, de vinil (sim, sou dessa época).

Foi uma experiência fantástica. Conheci coisas muito diferentes do mundo "enredomado" no qual vivia, de igreja protestante etc.

Vi novos tipos, pessoas que não faziam parte de meu contexto, dos grupos onde vivia. Conheci muitas pessoas bacanas, entre as quais o Chico Maciel, o autor do texto da peça que encenávamos. Era um homem vindo da favela, negro, menino pobre e prodigioso, que ganhou um prêmio por sei lá o quê e foi para a Europa passar uns dias. De ele ver tanta riqueza, decência, organização, em comparação com o lugar de onde vinha, acho que a Europa surtou o Chico.

Injustiça incomoda, dói. Chico era poeta de primeira, e bom autor. Pegou uns poemas meus, puros projetos de poesia, e os transformou em poesia rara. E me fez um poema bem bonito, em inglês (veja que luxo): "will i am". Chico bebia, o que lhe fez mais mal ainda.

Outro amigo, de pouco tempo, Carlo Carrenho, morou em Estocolmo e está trabalhando agora no Brasil, do lado da Favela da Maré. Carlo tem sofrido e está escrevendo um livro que lhe encomendei: "O que Estocolmo me ensinou sobre a Favela da Maré". Mas este já é outro assunto.

Como disse, costumo comentar que já fiz teatro vez ou outra. Falava mais sobre o assunto nos meus tempos de Tribunal de Júri. O teatro está anotado no coração.

Recentemente fiz mais um pouco (coisa de uns seis anos), um curso de férias na CAL, em Laranjeiras. Foi legal, mais uma vez. E saí com mais uns poemas, em especial um, que falava dos olhos de Maria Rita (moça com predicados que escorrem de suas íris até todo o resto seu e mais o que lhe passa em torno). Bem, estou escrevendo minha "autobiografia não-autorizada" e esta fase estará lá, com certeza. Se alguém souber onde anda o Chico Maciel, me avise, ok?

E o que tudo isso tem a ver com concurso? Além do super-herói, um enganador meio "Tio Sam" em versão tupiniquim, e do povão no ônibus. Tanto o enganador, quanto o super-herói, eram versões nacionais.

O malandro que eu encarnava, vestido de Tio Sam verde e amarelo, tentava enganar os outros para se dar bem. Era um infeliz, tão pobre e ferrado quanto os demais na peça, todos sul-amaricanos, "cucarachas". No meio da peça ele se toca que explorava quem era tão infeliz quanto ele. O canastrão evolui, cresce. De repente, descobre que não é enganando os iguais, o próximo, que conseguiria alguma coisa. Ele aprende que não vale a pena jogar sujo, que isso só piora as coisas.

A Menina das Mariolas, que era a personagem central, ao ver o super-herói tão poderoso, pedia para ele (que voava, era forte etc) resolvesse o problema da falta de comida e de escola. Em resposta, o super-herói dizia que ele não trabalhava com essas coisas... esses problemas ele não sabia resolver.

O Chico era um crítico social de mão-cheia. A roupa do super-herói era impagável. Minha mãe se esmerou e fez um colete de espuma com o desenho dos músculos. Sobre o colete, uma roupa branca com capa e calção listrado de vermelho, branco e amarelo. E meus braços e pernas esqualidérrimos, fazendo um contraste hilariante. Óculos escuros, tênis vermelhos com asinhas, cinto de utilidades etc. Só de ver já morriam de rir.

Hoje, como juiz federal (e cada servidor público em seu respectivo mister), acho que sou mais "poderoso" do que meu antigo personagem, pois, afinal, nós servidores somos mais úteis às meninas e meninos pobres do que o voador de capa e glamourizado. Se me transformei em super-herói, como gentilmente o amigo citou, é porque me despi da idéia de "super", passando a ser apenas alguém que tinha um objetivo e foi atrás dele. Os heroísmos que aprendi a admirar e a perseguir são os do cotidiano. As vitórias foram colhidas com a ajuda de Deus e o aprendizado num jardim de derrotas e reveses muitas vezes dolorosos.

O heroísmo mais refinado é o do cotidiano: o "fazer a coisa certa", jogar com as cartas que vierem à mão, aproveitar o dia, ter um plano, beijar a pessoa amada (casar-se com ela, se possível), visitar a mãe, ajudar alguém, olhar a paisagem. Herói é você, que está ralando para estudar apesar de tudo. Heróis somos nós, os servidores públicos, parte da solução que a menina buscava. Herói é qualquer um, servidor ou não, que faz sua parte. A vida é, como já disse no livro A última carta do tenente, irresistível. Frase que aprendi com Tânia Fróes. Ainda segundo ela, "a vida não tem ensaio: é espetáculo que estréia todo dia".

Aproveite o show.

Artigos, textos e dicas de William Douglas

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