Fraude no concurso da Polícia Rodoviária Federal

William Douglas

Carta aos aprovados honestamente e aos demais interessados

Fatos recentes transtornaram bastante meu cotidiano. A rigor, preferia estar gastando o tempo que vou disponibilizar para este texto ou em descanso, lazer, sentenças, aulas ou livros. A última coisa que queria fazer é discorrer sobre fatos lamentáveis como os que passo a abordar, e se o faço é, em especial, por consideração aos aprovados honestamente na primeira etapa do concurso para a Polícia Rodoviária Federal - PRF , ocorrida neste segundo semestre de 2009.

O esperado concurso para a PRF veio a lume com uma enorme quantidade de problemas, sendo acusado por muitos de fraudulento. A Instituição que o realiza também vem sendo objeto de vários questionamentos em outros concursos. Nesse passo, informo que recebi um grupo de pessoas que trouxe até mim documentos que, em tese, indicariam a ocorrência de fraude no concurso.

O caminho mais fácil seria o da omissão, pois para que eu precisaria - já com tantos afazeres e carreira sólida - perder tempo e me aborrecer com estes assuntos?

Em geral, as autoridades se omitem e todos criticam isso. Pois bem, não é meu caso. Avaliei os documentos para saber se tinham alguma coisa séria ou se seriam "abobrinhas". Não eram "abobrinhas". O CPP, art. 40, dá ao juiz o dever de enviar ao Ministério Público a notícia de crimes de ação pública que cheguem ao seu conhecimento. Não fazê-lo é prevaricação (art. 319 do CP). Assim, tão somente cumpri meu dever legal. Se quem levou os documentos eram reprovados "chorões" ou pessoas mal intencionadas, não sei, mas sei que os documentos eram consistentes, tanto que a própria FUNRIO eliminou 27 candidatos. Tantos reclamam que ninguém faz nada. Volto a dizer: não é meu caso. Nunca foi, desde que era Advogado, depois Defensor Público, hoje como Juiz Federal. Ao meu ver, os custos da omissão são sempre maiores do que o de se fazer o que é certo. Juízes e autoridades covardes ou abstêmias diante da ilegalidade deveriam causar nojo. Aliás, fraude em concurso também me causa nojo pois conheço muitas pessoas que estão se matando de estudar, e sei exatamente o que é isso.

Quero repisar: seria muito mais simples e confortável, para mim, dizer educadamente que esse não é um problema meu. Se me procuraram é por que tenho uma credibilidade e, se a tenho, informo que a mesma não se desenvolveu através da tibieza ou da pusilanimidade.

Chegaram a dizer que eu anulei o concurso, que decidi a questão, ou que minha opinião geraria a anulação. Absurdos. Nada fiz senão reencaminhar documentos. Minha opinião não é tão poderosa, quem tem poder decisório não sou eu, mas a PRF, FUNRIO, Ministério da Justiça, MPF e os juízes que apreciaram e apreciarão a causa. Felizmente, a maioria das manifestações foram positivas, me dando a certeza de que as coisas - por incrível que pareça - estão melhorando. No meu tempo, a gente fazia concurso apesar das fraudes; hoje já se discute o suficiente para tentar obtermos os certames sem elas.

A fraude, ou sua mera suspeita, é muito ruim para todos, pois tais problemas abalam a credibilidade do concurso público e da Administração Pública e a confiabilidade das instituições. Pior ainda é imaginar um policial, que ingressou por fraude, "trabalhando" nas ruas, munido de arma, carteira e poder. Quem entra por fraude será corrupto ou vagabundo, aliás, vagabundo já é, e corrupto também.

Desde logo, contudo, registro que ainda prefiro todos os problemas derivados dos concursos e das licitações do que a situação anterior do país, na qual os cargos e contratos relativos à Administração eram reservados para os "amigos do Rei". Concursos, licitações, democracia, educação, estudo e dedicação... tudo isso dá muito mais trabalho, mas é muito mais seguro.

Quem me conhece sabe que desde sempre luto pelos concursos e pelo aperfeiçoamento do serviço público. Faço-o por várias razões, entre as quais minhas crenças políticas e filosóficas e também por gratidão a esta instituição que tanto me fez bem. Quero que o concurso seja para todos o que foi para mim: uma oportunidade e o começo de uma das mais nobres carreiras, a pública. Péricles chegou a dizer que "Não merece viver quem não ama a carreira pública".

Escrevo hoje em atenção e carinho aos aprovados no concurso, aos que jogaram limpo, aos que gastaram horas e horas de estudo, aos que tiveram despesas, aos que se deslocaram, aos que terminaram namoros, aos que suprimiram horas de sono e lazer, aos que brigaram com o cônjuge ou viram menos os filhos, aos que passaram horas e horas em ônibus, trens, estradas ou engarrafamentos para ter aulas. Aos que se sacrificaram, aos que estão há anos fazendo sua parte, aos que já estão em condições de serem aprovados e que - mesmo acertando as questões da prova da PRF - estão agora angustiados sem saber se o concurso vai ser anulado ou não. Alguns destes me escreveram de forma respeitosa e carinhosa, mas também magoada, frisando sua consternação por me verem propugnar a investigação e a anulação do concurso. Até cheguei a receber a visita de amigos diletos cujos filhos ou alunos foram aprovados de forma honesta. Muitos compreenderam minhas atitudes, mas alguns ficaram frustrados e magoados comigo. E esta mágoa me encheu de tristeza.

Recebi mais de 150 mensagens de agradecimento e elogios por me posicionar contra a fraude, 20 e-mails de leitores ou alunos aprovados e magoados com minha postura e cerca de 14 manifestações ofensivas, agressivas e mal-educadas, com acusações e até ameaças de representação contra mim no CNJ.

Esta carta é uma forma de dar a todos minha resposta. Uma resposta que não seria necessária: creio que devemos fazer aquilo em que acreditamos e deixar que nossos atos sejam por si mesmos nossa melhor defesa, como ensinava Gandhi. A rigor, como diz a sabedoria popular, "cocô quanto mais se mexe, mais fede". Então, discorrer sobre o tema não seria a melhor opção, mas vou fazê-lo. Vou preferir colocar o "dedo na ferida". E quanto aos "cocôs" abordados, vou mexer neles com a esperança de que os joguemos um dia no saco de lixo e, desde logo, afirmo que não fui eu quem os produzi, apenas estou mexendo no que outros fizeram.

Para responder a tudo o que recebi pela internet ou li nos fóruns de concurseiros é preciso discorrer com vagar sobre o tema, e não escreverei aqui com a preocupação com a concisão, mas sim com a da abordagem dos pontos relevantes. Espero que os que se interessam pelos assuntos concurso, serviço público e ética no país gastem algum tempo com essa leitura. De todos, em especial os que foram aprovados honestamente, e mais ainda aos que se magoaram comigo.

Aos aprovados honestamente

Admiro a garra, o trabalho, o esforço e a dedicação de vocês. Agradeço aos que, mesmo magoados, compartilharam sua frustração até comigo. Elogio o fato de já terem caminhado o suficiente para já estarem amadurecidos emocional e intelectualmente o bastante para terem superado esta prova. Vocês estão bem, acreditem.

Minha única preocupação com vocês é que não esmoreçam, não desistam. Como colega mais antigo nesse meio, asseguro que o que vocês estão passando faz parte do sistema. É duro, mas é assim mesmo. Vocês não são os primeiros nem serão os últimos a passarem por isto.

O único risco real que vocês correm é pararem depois de já terem caminhado tanto. Eu disse aos jornais que, com a anulação, vocês provavelmente seriam aprovados no novo concurso da PRF. Em mais de uma das cartas recebidas redarguiram que, nesse novo dia, podia cair outra matéria onde a pessoa estivesse menos preparada, ou a pessoa estar num dia ruim, ou com TPM, ou coisa parecida. É fato. Nada garante que o aprovado no concurso de agora também o será no seguinte. Contudo, é inequívoco que, quem está no grau de preparação de vocês, se continuar a estudar, treinar, a "jogar o jogo", irá passar ou neste próximo da PRF (em caso de anulação), ou no da Polícia Federal, ou outro. Isso é certo.

Tenho uma amiga que passou honestamente em um concurso da Receita e o concurso foi anulado. Ela sofreu tudo o que vocês estão passando. No concurso seguinte ela teve um dia ruim e não passou. Sofreu horrores. Continuou na luta e passou no concurso seguinte. Hoje é Auditora. Outro caso: uma amiga passou honestamente para a Assembléia Legislativa/RJ, o concurso foi anulado, com todos os percalços que vocês conhecem na pele. Ela hoje é Analista Judiciária da Justiça Federal/RJ. Casos como esses existem aos borbotões.

Entendo que para quem está na situação de vocês, dura, é compreensível o desejo de que - retirados os 27 que a FUNRIO retirou - o concurso continue e o drama da maratona do concurso seja finalizado. Entendo, sim, mas não posso concordar. Do ponto de vista pessoal, concordo, talvez até pensasse igual se estivesse na mesma situação. Mas estas decisões não podem ser tomadas dentro do plano pessoal. O interesse individual é secundário, tanto o dos aprovados, quanto o da PRF, quanto o da FUNRIO, quanto o dos cursos preparatórios para quem também quiser pensar neles.

Não sei se vale a pena ingressar no concurso que ficará conhecido porque nele houve fraude, cujos limites ninguém nunca conseguirá saber. Contudo, mesmo que vocês - aprovados honestamente - abrissem mão dessa questão, o fato é que ninguém sabe se há ou não mais aprovados de forma fraudulenta, e não é razoável, nem conveniente para o país nem para a Administração Pública, conviver com essa dúvida.

Vamos repisar o básico: a eliminação de 27 candidatos pela própria FUNRIO fala por si sobre se houve ou não fraude. Agora, cabe indagar: quem garante que não foram 30, ou 50? Sei que uma anulação frustrará vocês, mas vamos pensar juntos sobre o caso.

Sei de homens de bem, que têm filhos, dificuldades etc., ou estão desempregados, que estão entre os 750 aprovados. Sei de mulheres separadas, com filhos e contas a pagar, sei de pessoas que estão estudando há anos. Para estes, esta anulação é um martírio. Mas vamos que haja ainda mais 20 fraudadores que tenham "se dado bem", não sendo eliminados junto com seus 27 "colegas". Estes 20 não vão "atrapalhar" quem passou nas primeiras colocações... mas vão retirar a vaga de 20 pessoas no final da fila. Assim, do 751º ao 770º colocados, teremos candidatos que deixarão de entrar por causa da fraude. Mas alguém poderia dizer: "então que se investigue, identifique e punam-se somente os fraudadores". Acontece que nem sempre é tão simples assim. Há fraudes que não são comprovadas em pouco tempo e nem com facilidade. Por mais custoso que seja, havendo dúvida razoável sobre a lisura do certame, o melhor caminho é não deixar que o mesmo prossiga.

Peço que vocês que estão vendo a vaga "escorrer pelo ralo" se imaginem nessas colocações: 751º a 770º (o que pode ser bem mais, ninguém sabe). Seria tolerável que vocês - igualmente honestos - fossem preteridos para que os 730 aprovados honestamente não fossem prejudicados? Seria

razoável tolerar 20 pilantras aprovados irregularmente e que passariam toda a vida no serviço público continuando a praticar crimes?

Não tenho dúvidas que todos concordarão que - visto do prisma do correto e da solução mais adequada para o país e para o serviço público - a solução da anulação é dolorosa mas necessária.

Algumas observações, aqui:

a) Esta é apenas minha opinião. Repito que não sou o juiz da causa. Ao contrário do que apressados e mal informados disseram, eu não anulei concurso algum, não dei nenhuma liminar, não prendi ninguém. Apenas recebi documentos e, na forma da lei, os encaminhei ao Ministério Público. Não o fazer seria prevaricação. Como sempre, como especialista no assunto, quando procurado pela imprensa dei minha opinião. Mesmo que ela não agrade a todos é o que tenho para fazer. Não me omiti, não me acovardei, não me escondi. Esse, aliás, é um país tão esquisito que aquele que cumpre o dever legal (art. 40 do Cód. de Perc. Penal) e não se omite acaba virando o culpado.

b) Se alguém preferir que o concurso não seja anulado, apesar da evidência de fraude, apesar de poder haver outros pilantras irregularmente aprovados, apesar de isso prejudicar quem está no final da fila (logo após o 750º colocado), até entendo, mas não creio que possamos prestigiar essa decisão pessoal em detrimento da moralidade do concurso e da seleção adequada para os cargos e funções públicas.

c) Anular um concurso com fraude é a melhor forma de preservar direitos e de desestimular fraudes em concursos futuros.

Você que passou no concurso honestamente, não aguarde a decisão de braços cruzados, não se desanime nem paralise sua vida por causa disso. Não se sabe qual será a decisão nesse concurso nem quanto tempo vai demorar para que ela seja concretizada. Continue a estudar, a treinar, a fazer o que tem que ser feito. Continue a fazer os outros concursos que estão vindo, naturalmente dentro das matérias nas quais você já tem base. Não tente fazer todos, foque nos mais assemelhados. Enfim, continue na luta. Volto a dizer: você já está num belíssimo nível e se não esmorecer estará sendo aprovado mais cedo ou mais tarde, num concurso ou no outro. Esses reveses fazem parte do sistema: se o concurso for mesmo anulado, você tem todas as condições de passar em outro. Só não pode sair do jogo. Se sair, jogará fora tudo o que já aprendeu e evoluiu, e o fará estando muito perto de receber o justo prêmio por seus esforços. Assim, peço que continue.

Enfim, o que fazer:

Ainda que fique magoado comigo, ou com a situação, não deixe que nada, nem eu, nem a fraude, nem uma ou outra anulação, nem os problemas de sempre e os que aparecerem, desviem você de sua meta, que já está bem mais para lá da metade, já está bem perto: sua aprovação, nomeação e posse. É o que alguém com 30 anos de estrada pode dizer para você.

Indenizações

Entendo que, havendo fraude, cabe ação com pedido de indenização em face da organizadora, vez que esta tem o dever de zelar pela regularidade do concurso, aliás, é paga também para isso. Em caso de anulação, as despesas de deslocamento para a prova, alimentação etc. são devidas a

todos os que realizaram a prova, tenham sido aprovados ou não. Além disso, os aprovados honestamente têm direito ainda a indenização por dano moral.

O que fazer com a fraude

É preciso ouvir todo mundo, investigar, processar, assegurar o contraditório e a ampla defesa e, claro, no final, punir severamente todos os envolvidos, criminal, cível e administrativamente. A exclusão de 27 candidatos não resolve a questão. Igualmente, é preciso que a Administração Pública crie instrumentos para evitar que instituições que se repetem em falhas graves na execução dos concursos continuem a realizá-los. Por fim, é preciso que a legislação seja aperfeiçoada, punindo de forma mais grave a fraude, impedindo fraudadores de realizar novos concursos por pelo menos 8 anos e incluindo entre as penas a perda do cargo público dos envolvidos que eventualmente os tiverem. A fraude não pode "acabar em pizza", não só para punir quem fraudou mas também para ter efeito dissuasório em relação ao futuro.

Acusações pessoais

Alguns poucos candidatos, de mente mais curta e, aliás, boa parte deles com redação e português bem ruim, foram ofensivos, chegando a dizer que agi com "tráfico de influência", ou como "vendedor de livros". Pela indelicadeza, pela falta de educação e pelos disparates assacados sequer mereceriam resposta, mas é do meu feitio ser um tanto polemista.

Primeiro, o tráfico de influência tem previsão legal na qual não se encaixa o que fiz. O art. 332 do CP, cujo título é "tráfico de influência" reza:

"Art. 332 - Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função:"

Não vou fazer uma análise jurídica de tipicidade, mas vale dizer que se alguém entende que cumprir o art. 40 do CPP é típico, definitivamente ainda não estudou o suficiente para concorrer às vagas oferecidas nos concursos públicos. Daí, vou imaginar que essa acusação tenha sido feita não no sentido técnico mas no coloquial, mas nem assim haveria alguma razoabilidade na ofensa.

No sentido coloquial, "traficar influência" é postular a ilegalidade, é oferecer serviços para obter algo indevido, é um agenciamento de interesses escusos. Trata-se de um dos crimes praticados por particular contra a administração pública em geral. E, até onde eu saiba, postular a lisura dos concursos não é um crime contra a administração pública, mas - ao contrário - defender seus mais lídimos interesses. Aliás, combater o crime e lutar pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37 da CF) é o correto.

Quanto ao "vendedor de livros", vale dizer que eu trabalho no ramo por que gosto, e tenho orgulho do que faço. Tenho capacidade para, ultrapassado o meu momento de fazer concursos, me dedicar à Universidade ou à Justiça e ser bem sucedido e remunerado em ambos. Se fico nesse ramo (de concursos) é porque quero. Tenho livros escritos e espero que sejam bem vendidos, sim. Isso não é feio. Compra-os e os lê quem quer e, que eu saiba, a redação e a venda de livros é atividade lícita, ao contrário de ofender terceiros de forma leviana, ou da prática de fraude em concurso.

Se fosse agir por interesses pessoais, seria muito melhor ficar fora desse mar de lama, desse vespeiro que é a fraude em concurso. Para que assumir o risco de me "queimar"? Ocorre que para quem é cristão, militante do movimento negro, ex-Delegado de Polícia, magistrado, criacionista, teísta numa sociedade materialista, autor classificado por muitos como de "autoajuda", professor de faculdade que não permite "cola" e que reprova quem não estuda, um crítico da distribuição de renda e da tributação imbecil nesse país, alguém que não tem medo de conceder liminares contra o governo, naturalmente não vou agir com indolência ou tibieza e deixar de dizer o que penso, ou ver gente safada tirando a vaga de gente séria e sair de fininho só para não prejudicar minha imagem. E, para mim, tanto faz se o concurseiro sério é o primeiro colocado após retirarem 27 fraudadores ou se o prejudicado é um concurseiro sério na 751ª colocação. E se alguém não gostar disso, lamento, mas não vou deixar de fazer o que é certo porque alguém vai ficar contrariado.

Quem me acusa de "vendedor de livros" é tão imbecil que não percebe que se meter nessa questão prejudica as vendas, ao invés de aumentá-las. A acusação, deselegante e agressiva, indica que quem a escreveu não é muito afeito ao raciocínio, nem à lógica e muito menos a uma mínima compreensão das leis do mercado, marketing etc. O que lamento mais talvez seja isso: o fato de que minha atitude é mal interpretada, apesar dos danos que sofro por conta dela; e ainda vem uma mente diminuta me acusar de "interesses pessoais". Esquece-se que, como diz Timóteo, "Os julgamentos que fazemos dos outros são perigosos, porquanto revelam mais de nós mesmos do que sobre a pessoa julgada".

A "Indústria do concurso"

Na mesma linha das acusações pessoais, muitos disseram que os cursinhos tinham interesses mercantilistas na anulação, para vender mais aulas. Mais uma vez, alerto que quem seguiu essa linha conhece pouco das coisas. De um lado, acusar terceiros de só agir por razões escusas é, como disse acima, revelador mais da natureza do acusador do que de sua vítima. Em paralelo, observo que, aparentemente, alguns concurseiros têm raiva dos cursos, professores, editoras e sites que militam na área, como se fossem atividades ilícitas ou perniciosas. Esquecem-se que todo esse mercado existe para servir, que dá emprego, paga tributos e - principalmente - que ninguém é obrigado a participar dele ou a se valer de seus serviços.

Só para citar um caso, já ouvi um comentário de uma pessoa dizendo que não compraria o livro de Administrativo de Fulano de Tal para ele não ficar mais rico. A riqueza de terceiros incomodar alguém revela uma mente pobre. Mais que isso, não estudar a matéria em um bom livro apenas para não remunerar alguém que trabalhou escrevendo-o e facilitando o candidato é nonsense. Mas estas posturas não são novas.

Existe no país uma mentalidade tacanha que ataca a chamada "indústria do concurso", como se ela fosse algo desonesto. Desonesto, amigos, é o compadrio político, os diversos "mensalões", a nomeação por amizade, parentesco ou interesses fisiológicos; desonesto é burlar ou fraudar concursos, é usar como moeda de troca ou fonte de receita os cargos técnicos dos Ministérios, da Petrobrás, do Banco do Brasil, da ANAC etc. Parece que existe em muitos - não só no concurso - uma raiva descabida de quem trabalha, como se este fosse o problema do país. Este país de grandes virtudes também é palco de muitas mentes pequenas, entre as quais as que acusam o trabalho, o estudo e o esforço. As pessoas têm raiva de quem trabalha, de quem enriquece, de quem segue as regras do mercado. Ainda vivemos uma cultura de sesmarias, cartorial e que entende o Estado como teta e não como estrutura de execução das decisões políticas do titular do poder. Este é um país onde "sem-terras" invadem fazendas produtivas, derrubam plantações com tratores, destróem centros de pesquisa técnica e ninguém faz nada. É um país onde o trabalho e a riqueza parecem ser vistos como demérito.

Aqueles que estão reclamando do concurso estão sendo acusados de estar agindo por interesses escusos, ou porque foram reprovados, ou porque querem vender cursos, livros etc., ou porque querem aparecer.

Sobre isso, observações devem ser feitas:

a) A da mais ululante obviedade - Se houve fraude, ainda que os motivos de quem reclama fossem menos nobres, nem por isso deixaria de haver razão na pretensão de anulação pois esta será baseada nos fatos fraudulentos apurados e não baseada na irresignação de quem a tem.

b) Não querer a anulação para conseguir logo seu cargo (desconsiderando que o concurso seja duvidoso) também não deixa de ser colocar os interesses pessoais acima dos interesses públicos. Embora possa entender o drama pessoal de quem está nessa maratona (com sofrimento, gastos, angústias, sacrifícios etc.) e passou honestamente, o fato é que não se pode arriscar colocar outros fraudadores não identificados para dentro do serviço público.

c) Devemos deixar de nos preocupar com eventuais interesses pessoais de uns ou de outros e ver a questão de forma objetiva: no concurso ocorreu fraude? Há a garantia de que todos os fraudadores foram descobertos? O que é melhor para o serviço público, para o país e para a população? Ao meu ver, um concurso com tantos questionamentos não deve ser mantido. Lamento por aqueles que foram aprovados honestamente, mas é minha opinião como profissional e cidadão. Se alguém não gosta dela, lamento, mas é como penso.

d) Alguns disseram que há uma "conspiração" contra a FUNRIO. Isto é ridículo. Quem erra é que conspira contra si mesmo ou quem deixa que o erro dos outros o atinja. Apesar de eu ser testemunha de que lá existem pessoas sérias, o fato notório é que vários concursos promovidos por ela tiveram sérios problemas. Então, mais uma vez, não cabe ficar apontando interesses escusos, mas sim ser objetivo: basta indagar se a FUNRIO está se saindo bem ou não como instituição realizadora de concursos. Se alguma instituição concorrente estiver querendo "queimá-la", isto não é a questão: a questão é se ela está ou não dando motivos para sua credibilidade ser questionada.

Quem imputa a interesses comerciais à questão da anulação desconhece minimamente o mercado. Para um curso, professor ou vendedor de livros todo esse debate não é positivo. Se dos 750 vagas umas 300, ou 400, fossem distribuídas de forma desonesta, ainda assim sobrariam outro tanto de vagas para quem estudou, para quem fez cursos etc. As pessoas veriam quem estudou passando, os cursos noticiariam nos jornais e sites o nome de seus alunos que foram bem sucedidos e o "mercado do concurso" continuaria aquecido.

Não podemos reduzir essa questão a interesses comerciais, até porque são secundários perante o interesse público, assim como o de quem passou ou de quem foi reprovado. Mas falemos de interesses mercantis, já que o tema foi levantado.

Em termos de "venda de produtos", a publicidade da fraude é mais negativa do que haver uma parte de candidatos aprovados de forma irregular. Se algum "capitalista selvagem" fosse chamado a opinar, diria que é muito mais "comercial" deixar as fraudes acontecerem por "baixo dos panos".

Diria um capitalista amoral: "Para que criar tanta confusão? Isso desestimula as pessoas... faz muitos desistirem... prejudica a vinda de novos clientes para aumentar a base! Desde que alguns alunos passem, o mercado continua aquecido!"

Pensar do modo acima é, ao meu sentir, uma visão pequena, míope e canhesta, mas nada que não seja praticado por muitos setores produtivos e políticos nesse país. Quero salientar, com isso, que dizer levianamente que a anulação do concurso é de interesse dos cursinhos e editoras é uma avaliação equivocada. Pode haver alguém desse mercado que se alegre com a anulação, mas esta não é a opinião dominante. Ao contrário, posso dizer como quem conhece a maioria dos players desse nicho, o sentimento geral é de que o melhor para todos é que os concursos sejam honestos. Lutar pela lisura não pode ser imputado a interesses menores.

Sobre as acusações pessoais e aos que militam no mercado dos concursos, mas também servindo para quem está sendo prejudicado numa nova aplicação da expressão de que "o justo paga pelo pecador", deixo - como resumo do que penso - a menção aos "Dez mandamentos paradoxais" (citei apenas os mais diretos para o caso, mas a lista completa está disponível na internet):

"2. Se você fizer o bem, as pessoas o acusarão de ter motivos egoístas ocultos. Faça o bem, apesar de tudo.

5. A honestidade e a franqueza o tornarão vulnerável. Seja honesto e franco, apesar de tudo.

6. Os maiores homens e mulheres com as maiores ideias podem ser eliminados pelos menores homens e mulheres com as mentes mais estreitas. Pense grande, apesar de tudo.

8. Aquilo que você passa anos construindo poderá ser destruído da noite para o dia. Construa, apesar de tudo.

9. As pessoas realmente precisam de ajuda, mas poderão atacá-lo se você as ajudar. Ajude as pessoas, apesar de tudo.

10. Dê ao mundo o melhor de você e levará um soco na cara. Dê ao mundo o melhor de você, apesar de tudo."

Histórias do passado e do presente

Em 1990, estava eu estudando num cursinho para Delegado de Polícia/RJ. Era o primeiro concurso para o cargo em mais de vinte anos. No meio da aula, sala lotada, surge um cidadão anunciando que estavam vendendo as vagas e dizendo o preço, que equivalia a um bom carro zero. Um aluno, que estava ao meu lado, levantou dizendo que iria pegar dinheiro emprestado com o sogro e comprar a vaga dele; saiu em desabalada correria. Nunca mais o vi. Metade da turma saiu do curso nos dias que se seguiram. Não tendo dinheiro e, mesmo que o tivesse, tendo aprendido dos pais que esses atalhos não valem seu custo, pensei o seguinte: havia 139 vagas e como - se estavam sendo vendidas mesmo - eram muito caras, imaginei que apenas conseguiriam vender umas 130, que sobrariam umas 9 vagas para quem chegasse lá sabendo a matéria e acertasse as questões. Decidi que iria lutar por uma dessas 9 vagas honestas.

O concurso aconteceu e apenas 23 candidatos foram aprovados. Conheci todos e posso assegurar que não pagaram nada. Aliás, eu fui um dos aprovados - o primeiro colocado. Em suma, era tudo mentira. Posso dizer que naquela época a gente sabia, imaginava ou suspeitava de fraude e se limitava a desistir (alguns) ou a estudar para passar nas que sobrassem. Esse quadro tem melhorado. Hoje se levanta o dedo, se procura as autoridades, hoje as pessoas acreditam mais nas instituições.

No caso da PRF, um dono de curso me contou que, quando uma prova vai ser elaborada por uma instituição com pouca experiência ou credibilidade, costuma dizer aos alunos algo muito parecido com o que eu pensei 20 anos atrás. Ele diz: "olha, gente, acho que podem até ter fraudes, mas ainda vão sobrar vagas, vamos estudar para pegar uma delas!". Este amigo teve alunos seus, um deles bolsista, outro PM, outro bancário desempregado, aprovados neste concurso. Gente séria, sofrida e dedicada. Um aluno dele, que estuda há anos, passou a ser o primeiro colocado em um dos Estados da Federação depois que saíram os 27 eliminados pela FUNRIO. Esse amigo tem a opinião prevalecente no mercado dos donos de curso: ele ganharia mais anunciando seus alunos aprovados do que com a anulação do concurso. Os alunos reprovados certamente, vendo que alguns passaram, estariam prontos para renovar as matrículas. A anulação, assim como a fraude em si, é uma "ducha de água fria" no entusiasmo de quem conhece menos do sistema. Muitos desistem. Pois bem, como é pessoa inteligente e séria, esse amigo me disse que - apesar de tudo - sabe que o melhor mesmo, para o país, para os concurseiros e para quem os atende, é que os concursos sejam honestos e limpos.

Inversão de valores

Lamento que o inconformismo esteja se dirigindo a mim e não contra quem não soube fazer o concurso e contra quem perpetrou as fraudes. Vale recordar que eu não fraudei prova alguma, que apenas cumpri meu dever moral e jurídico e que estou sempre me posicionando de forma coerente: a favor da lisura dos concursos. Embora seja uma minoria, alguns se referiram a mim como se eu fosse o culpado pela anulação, o que é uma completa inversão dos valores e da realidade. Felizmente, a maioria entendeu que estou me posicionando de forma adequada (e até rara, pois muitos se omitem) e a maior parte da minoria que me criticou foi extremamente respeitosa, cordata e agiu de forma até carinhosa.

William Douglas como "defensor dos concurseiros"

Alguns esperavam que eu fosse contra a fraude por ser um "defensor dos concurseiros", outros que eu não falasse a favor da anulação pelo mesmo motivo, pois isto prejudicaria a quem passou honestamente. Vamos esclarecer isso.

Não fui contra a fraude para defender apenas os concurseiros, mas, principalmente, para defender a legalidade e quem vai ser atendido lá na ponta pelos aprovados: o cidadão comum. Mais uma vez afirmo que não se pode tratar este assunto de forma pessoal, mas objetiva. Ao defender os concursos públicos, embora indiretamente defenda os concurseiros, não posso colocar os interesses pessoas destes acima da legalidade dos concursos. Até porque, ao defender o concurso, são prestigiados todos e não apenas alguns.

Já que estamos "lavando a roupa suja", vale registrar que não sou prioritariamente um "defensor dos concurseiros", embora isso me honre. Meu interesse prioritário é o serviço público. Sou concurseiro, me sinto parte dessa família, mas também sou um dos que defende que tem que haver maior cobrança de resultados e produtividade dos servidores. Também é preciso maior E "todos" incluem população, administração pública e concurseiros.

facilidade para se colocar para fora os servidores corruptos, os preguiçosos e os ineficientes. Não podemos ser uma casta cheia de privilégios às custas da população. Temos direito a ser respeitados, bem tratados, a ter prerrogativas, mas tudo voltado para o cumprimento de nossas funções. Em palavreado mais vulgar, mas nem por isso menos claro: todo servidor que não honrar "as calças que veste" deve ir para a rua.

Ainda sobre a impessoalidade, compartilho que recentemente apareceu mais um "trem da alegria", daqueles que vivem transitando e às vezes sendo aprovados pelo Congresso Nacional (nesse passo, praticamente uma estação rodoviária). Percebi que o mesmo beneficiaria meu agente de segurança, um funcionário excelente, cedido pela Prefeitura. Ele viraria servidor da Justiça, estável e melhor remunerado. Expliquei para ele que lamentava, me desculpei até, mas disse que estava me posicionando e escrevendo um artigo contra mais essa imoralidade, ainda que ela fosse beneficiá-lo.

Escrevo artigos a favor da greve dos servidores, criticando o tratamento ruim dado a defensores públicos, auditores, militares, advogados da União, contra a homofobia e a heterofobia, contra a discriminação racial, contra a interpretação equivocada da laicidade do Estado (que não deve repudiar as religiões, mas sim tolerá-las) etc. Vivo me posicionando.

Quanto aos concurseiros, embora ainda seja um deles, vou defender seus interesses apenas quando os mesmos não colidirem com os interesses maiores relacionados na Constituição.

Thierry Henry e a França

Foi com alegria que li que 80% dos franceses achavam injusto que sua seleção nacional fosse para a Copa, tendo em vista o gol irregular que a classificou, em detrimento da seleção da Irlanda. Os franceses têm muito a ensinar aos brasileiros nesse assunto.

Conclusão

Agradeço a todas as manifestações de apoio que recebi. Não só me acalentam como, por serem ampla maioria, me dão esperança.

Informo que não tive nenhum parente ou amigo reprovado no certame em questão, ao contrário: algumas pessoas que conheço foram aprovadas e estão angustiadas sem saber o que acontecerá.

Informo que não tenho qualquer relação com a FUNRIO e não tenho qualquer interesse pessoal em relação à mesma. Meu único interesse é que aqueles que promovem os concursos o façam com a eficiência e cautelas devidas para que os mesmos sejam limpos, transparentes e seguros.

Informo que, em outros concursos, onde houve notícia de fraude (MPOG, ANTT, TRE/SC etc.), "não fiz nada" porque nada de concreto ou documental me chegou às mãos. Se tivesse chegado alguma coisa, teria adotado o mesmo procedimento que adotei no caso do concurso da PRF (art. 40 do CPP).

Informo que não tenho qualquer ingerência nas decisões que já foram ou que serão tomadas, não sou juiz da causa nem coisa parecida. Como todos, não tenho qualquer previsão sobre como e quando se dará uma solução para o assunto.

Se minha opinião como professor, doutrinador, especialista no tema, cidadão ou o que for tem alguma influência, isto é decorrência de uma longa e trabalhosa carreira na seara dos concursos, carreira esta que começou com uma reprovação honesta, dos 12 para os 13 anos, no concurso para o Colégio Naval. Em 30 anos descobri que do jeito certo pode demorar muito, e dói mais, mas aquilo que é amargo no início se torna doce depois, ao contrário dos atalhos morais.

Não pretendo fazer alterações de rumo no meu comportamento, ainda que lamente que ele às vezes magoe ou frustre pessoas que respeito e admiro. Minha opinião, o mais clarificada que posso dar e disposta nesse arrazoado, está aqui para quem se interessar pela mesma. Não vou mudá-la.

Minha posição pessoal é, sempre foi e continuará a mesma: concursos públicos devem ser honestos. Aliás, como se dizia da mulher de César (o Imperador Romano), a quem "ser honesta" não bastava, cabendo também "parecer honesta", creio que a credibilidade das instituições, da Administração, dos concursos etc. depende de medidas firmes e coerentes.

Quem estuda e se esforça, quem treina e persiste, quem aprende com o erro, quem não desiste, este será bem sucedido mais cedo ou mais tarde, apesar de tudo. É nestes que deposito minha esperança de mudar o serviço público. Pessoas esforçadas, competentes, motivadas e com a sua dose de "justa ira" contra a sacanice que devasta nosso país (ou, nos termos do Aurélio e do Houaiss, o "espertalhão", o ludibrio; a maldade, a deslealdade, a "bandalheira"). Espero que estes continuem e que a seu tempo se unam na revolução (www.revolucao.info).

Recuso peremptoriamente a missão ou encargo de "santo" ou "salvador" nesse assunto ou em qualquer outro. Recuso à minha opinião valor maior do que ela tem. Apenas registro que ao menos passei no(s) meu(s) concurso(s) sem lesar a outrem. Contem sempre comigo para propugnar para o próximo o mesmo que desejei para mim mesmo, no que nada tenho de mérito senão seguir as recomendações de Jesus Cristo. Aliás, é bom lembrar que o cargo de Messias e Salvador já está preenchido por Ele e, como é eterno, não há possibilidade de vacância.

Jefferson Peres, Senador da República, disse que "ética é ser contra a injustiça, mesmo quando ela nos beneficia, e a favor da justiça. mesmo quando ela nos prejudica". Jefferson Peres tem muito a ensinar.

Espero ter esclarecido a questão. Estou ao dispor, na minha comunidade no Orkut e no meu site, para continuar as conversas que devemos ter para seguir a vida.

Por fim, aos aprovados honestamente, minha solidariedade e minha certeza de que, se continuarem, em breve serão merecidamente premiados pelo esforço e dedicação com o qual vem se havendo.

Atenciosamente, William Douglas

Artigos, textos e dicas de William Douglas

O PCI Concursos em parceria com o site www.williamdouglas.com.br,disponibiliza aqui, vários artigos, textos e dicas de William Douglas sobre "Como Passar" em concursos públicos: