Sobre concursos públicos, aparelhos ortodônticos e outras insanidades

William Douglas

Periodicamente me preocupo em repisar o tema dos concursos públicos, tendo já feito comparações dele. Hoje, vou compartilhar um sofrimento novo.

Passei décadas fugindo da implantação de aparelho ortodôntico necessário para a correção de minha oclusão mandibular imperfeita. Há dois anos, aos 38 anos, fui compelido a fazê-lo. Tanto o meu dentista quanto a ortodontista disseram que se não corrigir o problema terminarei por perder os dentes! Coloquei-o e cheguei à conclusão de que só um louco coloca um troço desses na boca.

Pensei em ir lá e mandar tirar tudo, preferia ficar com a mordida cruzada e pronto! Lembrei-me de quantas vezes pensei em desistir dos concursos públicos. Logo, vieram as comparações, que decidi pôr no papel e dividi-las com os amigos.

Primeiro, tanto em concursos quanto no caso do aparelho, tentei fugir, mas ambos foram a melhor opção entre o leque de alternativas. É a relação custo-benefício. O concurso pode ter suas dificuldades, mas é uma das melhores formas de se conseguir um bom emprego, estabilidade, carreira etc.

Segunda comparação: estou um pouco velho para o aparelho... mas nunca é tarde para começar. Esta semana um amigo com 38 anos me perguntou se era tarde para concursos... Respondi que para concursos é ótima hora, que tarde é para aparelhos! E mesmo assim, coloquei um aparelho agora, porque, como disse, antes tarde do que nunca.

Outro ponto de contato é a dor. Dói, mas é necessário; dói, mas é o jeito. Antes essa dor agora do que, depois, a dor do não ter feito o que foi recomendado. Aí, lembro-me da máxima que criei sobre concursos: "a dor é temporária, o cargo é para sempre." Aplicada aos aparelhos ortodônticos, "a dor é temporária, o sorriso é para sempre". Quem paga o preço do concurso evita a dor do desemprego, da falta de seu lugar ao sol, da falta de dinheiro para o sustento diário.

Por outro lado, e aqui vai outra comparação, a ortodontista disse que com o tempo eu iria me acostumar, que haveria um período de adaptação. Não que a coisa ficaria totalmente resolvida, mas pelo menos estaria no limite do tolerável. Para quem não está acostumado à vida de concursando, toda organização, disciplina, horários, técnicas e procedimentos básicos podem parecer insuportáveis, irrealizáveis, estressantes. Mas, à medida que eles vão se tornando parte do dia-a-dia, passam a ser toleráveis a ponto de, um dia, pelo costume, você até ter um certo prazerzinho nesse negócio. Tudo pode doer muito no início, depois melhora.

Importante também perceber o mergulho numa situação aparentemente pior. Você piora um pouco para depois melhorar. No caso do aparelho, meu sorriso enfeou temporariamente para, depois de um tempo, ficar mais bonito do que antes. Se você vai estudar para concurso, se optou por isso, sua vida vai ficar mais difícil do que antes durante algum tempo. Depois da aprovação, ela vai ficar bem mais bonita.

O melhor exemplo ainda é o povo de Israel saindo do Egito. Para que conseguissem a liberdade foi necessária a marcha em direção à Terra Prometida, a Canaã, onde manava leite e mel. Para chegar lá, no entanto, tiveram que cruzar um deserto. O deserto era pior do que o Egito, mas era o caminho necessário para a terra onde uma nova vida. Assim, por pouco mais de dois anos meu sorriso ficará mais feio, mas ao final melhorará. Não que concurso demande dois anos, pode ser mais ou menos. O que importa é saber que é uma troca boa, justa e convidativa.

O aparelho custou dinheiro, a ser entendido como investimento e não como despesa. O concurso demandará investimento também: livros, cursos etc., mas valerá a pena lá na frente. No meu caso, posso afirmar que se não fosse o concurso eu não teria dinheiro para pagar o aparelho. Assim, leve com serenidade as despesas necessárias para a preparação: isso também faz parte do sistema.

A ortodontista disse que o prazo para a retirada do aparelho será de uns dois anos, mas afirmou que não pode prometer. Eu quase a ouvi dizer que o aparelho é usado até que o problema seja sanado. Lembrei-me da frase que costumo ensinar: "concurso não é para passar, mas até passar."

Para você que está lendo este artigo, acredite, eu sei bem o que é colocar um freio na boca para daqui a algum tempo receber algo muito bom em troca como prêmio. Já fiz isso antes: nos concursos, na maratona e lá me vou outra vez num desses projetos para fazer algo de bom, agora aos próprios dentes. Pode até parecer uma insanidade fazer cursinhos e concursos, ou colocar aparelhos ortodônticos, mas insanidade mesmo é não fazer o que precisa logo ser feito. Escolha bem quais insanidades quer cometer. Seu melhor futuro depende disso!

* William Douglas, 40 anos, é Juiz Federal, Professor da Universidade Salgado de Oliveira, Mestre em Direito, autor de diversos livros e artigos, e especialista em provas e concursos. www.williamdouglas.com.br

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