A propósito das cotas nos concursos públicos

William Douglas

A qualidade de criador da matéria "Como passar em provas e concursos", objeto de livro cujas versões ultrapassam meio milhão de exemplares vendidos, e ser reconhecido, em gentileza praticada pelos alunos, como "guru dos concursos", fez com que várias pessoas e órgãos de imprensa me indagassem sobre a aprovação, na Câmara dos Deputados, de cotas raciais nos concursos públicos.
Respondo a todos indagando: DILMA VOTARÁ EM MARINA?
Este é um bom começo de conversa para explicar o que penso. Repare: o que todos desejamos é que cada brasileiro possa escolher qual candidato prefere que exerça a Presidência da República no próximo mandato. O que todos queremos é que vença o melhor. Em eleições, o melhor é aquele que o eleitor diz que é o melhor. Se fosse um concurso público, melhor seria aquele que tirasse as melhores notas nas provas. Simples, não? Mas e se você fosse obrigado a escolher o "melhor" candidato pela cor da pele?
Uma escolha racial para exercer o cargo obrigaria que Marina fosse cabeça de chapa, e não a Vice na chapa de Eduardo Campos. Afinal, dos que se apresentam como candidatos à Presidência, ou Vice, ela é a única inequivocamente negra. Se é para termos uma cota para negros nos concursos públicos, porque não termos igual solução nos cargos eletivos? Então, como tivemos uma série de brancos, ainda que de matizes diferentes, seria a vez de sermos obrigados a votar em alguém da raça negra, não? Depois de Collor e Itamar, duas vezes FHC, duas vezes Lula e uma vez Dilma, seria hora de acabar com o preconceito e todos termos de votar em alguém negro. E como Joaquim Barbosa parece não estar interessado, sem dúvida seria a vez de Marina. Pior é que aquele contingente considerável de brasileiros que quer Marina seria confundido com os que apenas votaram nela por força de lei. Faz sentido? Não, óbvio que não.
Ao desavisado pode parecer que a cota nos concursos é tão somente uma evolução em relação às cotas nas universidades. Não é. É um passo para o lado, de trás. Existem dois erros comuns: achar que todas as ações afirmativas são ruins... ou achar que todas são boas. A cota nas universidades prepara para competir; nos concursos, elimina a competição onde ela é indispensável a bem do serviço público e dos seus destinatários.
Sou a favor das cotas para negros e também de cotas sociais nas escolas, faculdades, nos estágios e até mesmo em programas de bolsas. Escrevi sobre isso no artigo "Porque aposto meus olhos azuis nas cotas para negros". Cotas para estudar, para se preparar para competir. O problema é que veio o exagero, a proposta de cotas nos concursos públicos. Com estas, não posso concordar, e digo as razões no artigo "O exagero só atrapalha". Ambos estão disponíveis no meu blog (www.blogwilliamduglas.blogspot.com) e Facebook (/paginawilliamdouglas).
Tanto ter cotas, como abrir mão delas têm vantagens e desvantagens. No primeiro caso, as vantagens superam as contraindicações; no segundo, não. Claro que ter essa posição intermediária, por mais fundamentada que seja, gera antipatias nos dois grupos: dos contra e dos a favor das cotas. Sobre isso, falo mais adiante. Foquemos nas cotas.
Há muito a fazer: para começar, que o Itamaraty não aceite os malandros que burlam as cotas, porque ninguém quer que o país seja representado por diplomatas espertinhos e dispostos a vantagens imorais porquanto imerecidas. Aliás, combater a esperteza em todos os lugares. Mais: precisamos de bolsas de estudo, porque não adianta colocar o jovem para dentro da universidade e não lhe dar condições de estudar. Mais: um programa sério de acompanhamento desses jovens enquanto se preparam para ir competir no mercado de trabalho e nos concursos públicos. E prefiro bolsas a fundo perdido (perdido nada, achado!) para não tornar os pobres, escravos de juros. Se mantiverem este ou aquele desempenho, ou se trabalharem (de forma remunerada) por tempo, em locais mais carentes, que a dívida seja considerada quitada.
Também não quero que um negro aprovado em concurso carregue a pecha, por toda a carreira, de não ser bom o suficiente, mas mero aprovado pelas cotas. Não acho que devemos abrir mão do melhor fiscal, ou médico, ou professor, apenas porque um outro - menos preparado - tinha a cor "certa" para entrar. Defendo que o governo, caso queira, crie ações afirmativas para dar bolsas de estudo para negros, índios e pobres. Para assumir os cargos, que se saiam bem em concursos com igualdade de chances para todos.
Denuncio aqui mais um problema: as cotas sociais, para pobres, alcançariam não só um percentual maior de negros (que infelizmente são maioria nas classes mais baixas, em apartheid que envergonha o Brasil). Além de atender a percentual maior de negros, atenderia também aos brancos pobres. Ocorre que para muitos do movimento negro a bandeira política é mais importante do que alcançar uma quantidade maior de negros e também de brancos em igual situação de miséria. Aproveito para denunciar outro equívoco: não é errado cumular cotas raciais e sociais porque negros pobres possuem mais dificuldades que brancos pobres. Aliás, a termos cotas, elas deveriam estar dirigidas para o grupo mais discriminado de todos: mulheres negras e pobres. Todas essas cotas, repito, para estudo, bolsas e estágios, não para concursos.
Os concursos não devem ter cotas, nem a racial nem a social: não é certo tirar o cargo do mais preparado para dá-lo ao mais pobre ou ao "mais escuro". Cargo público não é forma de ajudar alguém, cargo público é para alguém (o servidor público) ajudar o cidadão. Queremos o melhor ali e, para isso, temos o concurso.
O absurdo de querer usar a boa ideia das cotas para entregar cargos, e não oportunidades de preparo e estudo, se demonstra com o exemplo com o qual inaugurei esta resposta. Seria um absurdo obrigar escolhermos um Presidente da República, ou seja, alguém para se colocar em um cargo público, por nada senão o mérito. No caso, o mérito do voto. No concurso, o mérito é a nota. Imagine termos que escolher não o melhor, mas o que tem esta ou aquela cor.
Enfim, se a Presidente Dilma realmente acha certo que 20% dos cargos públicos sejam escolhidos pela cor, então ela tem de votar na Marina. Mais que isso: se realmente crê naquilo que fez, a Câmara dos Deputados deveria, na mesma lei, estabelecer que os cargos eletivos tenham cotas para negros. Duas listas, com 20% dos cargos de Deputado e Senador para negros. O raciocínio é o mesmo. Por que não, então?
Por fim, informo que sei que minha opinião desagrada a muitos. Os que são contra as cotas reclamam que as defendo na preparação para a vida; os que são a favor reclamam de minha posição acima expressada. Sou membro da Educafro, Oscip franciscana que luta pela inclusão racial. Aos meus amigos militantes dessa causa, em especial aos que pensam diferente de mim, peço que me desculpem por discordar e que entendam que um homem deve expor seu pensamento para que do debate surja a melhor escolha. É o que estou fazendo. Se eu estiver errado, abaixo digo para que a solução seja inclusive mais firme, caso seja este o sentido em que o país quiser (a meu ver, equivocadamente) trilhar. Aos que além de discordarem, ainda querem - como alguns pediram - minha exclusão por conta de minha posição relativa às cotas nos concursos, uma nota: embora discorde da política de excluir o diferente, e não a pratique, compreendo o gesto. E, afinal, qual seria ela? Cada grupo, ou país, tem que escolher seus valores e, como sempre, torço para que a melhor escolha sempre seja a eleita.
Desagradar aos dois lados do debate é "politicamente incorreto"? Bem, sobre dizer o que se pensa, cito um pastor negro que foi preso justamente por lutar contra o racismo: "A covardia coloca a questão: é seguro? O comodismo coloca a questão: é popular? A etiqueta coloca a questão: é elegante? Mas a consciência coloca a questão, é correto? E chega uma altura em que temos que tomar uma posição que não é segura, não é elegante, não é popular, mas o temos de fazer porque a nossa consciência nos diz que é essa a atitude correta" (Martin Luther King, Jr.). O mesmo pastor disse também o seguinte: "Para criar inimigos não é necessário declarar guerra, basta dizer o que pensa". Eis aqui o que penso, por menos seguro, popular ou deselegante que seja: não é uma boa solução entregar cargos públicos senão pelo critério da competência. Nem amizades, nem tonalidades, apenas competência, isto é o correto.
Aparecerá ainda algum idiota dizendo que me manifesto por algum motivo escuso, relacionado a ser professor e palestrante. A este, respondo com o que diz Kent M. Keith, no livro Faça a coisa certa, apesar de tudo, ao falar dos Dez Mandamentos Paradoxais (atribuídos em geral a Madre Teresa): "(2) Se você fizer o bem, as pessoas o acusarão de ter motivos egoístas ocultos. Faça o bem, apesar de tudo. [...] (5) A honestidade e a franqueza o tornarão vulnerável. Seja honesto e franco, apesar de tudo." Sempre digo que o que está à venda são meus livros, não minha opinião. Se os livros venderem mais, ou menos, por conta do que eu falo, antes assim: detestaria que alguém comprasse meus livros não pelo seu conteúdo, mas pela minha simpatia ou antipatia. E a meu sentir, faz parte de "fazer o bem" ser, se necessário, "politicamente incorreto", ou contra a maré, como estou sendo agora. Não são as vendas que me movem, mesmo porque não sou sustentado nem por elas nem pelo cargo que ocupo. Deus é quem me sustenta e, além do alimento, me protege.
Enfim, para concluir: se estou errado, que se decida em contrário. Nenhum problema. Sou só uma opinião na multidão, e ela está aqui formulada. Se o correto é o que fizeram na Câmara, ok, então por que não fizeram o serviço completo? Vamos levar isso a todos os cargos, já que é tão bom e justo! Ou, se não, que nenhum cargo seja ocupado por nada senão a competência nas urnas ou nas provas dos concursos.
Logo, espero que o Senado corrija o equívoco do Executivo e da Câmara dos Deputados. Ou, então, que o Senado seja coerente com a solução proposta e dê um passo mais firme ainda: que crie cotas de 20% para afrodescendentes nas eleições... E, claro, que Dilma vote em Marina.

Artigos, textos e dicas de William Douglas

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